A Narrativa Orweliana do Filme sobre Marighela.

Rodrigo da Silva

O Brasil é mesmo esquizofrênico.

Imagine você que um dia um homem saiu por aí ameaçando instaurar uma ditadura. Para isso, montou uma organização responsável por assassinar, sequestrar, assaltar, invadir e explodir. Imagine que toda essa ideia tenha surgido no exato momento em que esse cara decidiu passar um tempo do outro lado do mundo, coladinho num genocida responsável pela morte de mais de quarenta e cinco milhões de pessoas.

Insano, não?

Mas o cara não parou por aí: escreveu a respeito. Fez literalmente um manual de guerrilheiro. Deu a si mesmo o nome de terrorista. Assumiu sem resignação a alcunha de assaltante. Fez troça da democracia.

Disse o sujeito, nessas mesmíssimas palavras:

“Todos nós somos guerrilheiros, terroristas e assaltantes e não homens que dependem de votos de outros revolucionários ou de quem quer que seja para se desempenharem do dever de fazer a revolução.”

Foi além: decretou que “o terrorismo é uma arma que o revolucionário não pode abandonar”.

Agora imagine que cinco décadas depois esse cara seja tratado como um humanista.

Mais do que isso – que o papo que ele mesmo escreveu é tão vergonhoso que os seus próprios defensores juram que toda oposição a ele não passa de mera propaganda ideológica descontextualizada, conversa furada de reaça doido de pedra.

“Veja bem, você tem que entender o conceito da palavra terrorismo.”

“Ele não foi um monstro, mas um ser humano capaz de errar e de cometer assassinatos.”

Imagina o sujeito se virando no túmulo com a geração de bundões pós-modernos defendendo a obra dele.

O cara deu a vida em nome de uma ideia estúpida que falhou miseravelmente em todos os países em que foi tentada, jurando que o segredo para resolver os problemas do mundo é sair por aí tacando o terror, como se vivesse numa espécie de GTA soviético. E o que fazem os malucos que saem em sua defesa? Ficam com nojinho de assumir que o cidadão era orgulhosamente autodeclarado terrorista.

Não leram o cara.

Se leram, não entenderam.

Aquelas quatro balas naquela noite quente de primavera foram em vão.

Pior, agora lucram em cima do terrorista jurando que ódio é amor, violência é paz e ditadura é democracia.

É a porra de uma distopia orwelliana!

E a beautiful people na Alemanha abraçada, trocando beijos – um bando de gente rica e branca que na primeira oportunidade acabaria no paredão, de terno e gravata, cheia de afetações burguesas – usando um ator negro como escudo para chamar atenção da comunidade internacional, discursando em inglês, a língua dos inimigos.

E a beautiful people comemorando a vida de um profeta do socialismo numa cidade por três décadas duramente dividida por um muro erguido pelo próprio socialismo.

“Pobre coitado do guerrilheiro”, eles dizem. “Um homem do seu tempo.”

E você é o belzebu ianque, ultraconservador de extremíssima-direita, se ousar contar a história que o próprio sujeito se orgulhava, dando os mesmos nomes que o maluco selecionou a dedo no dicionário.

Se é supostamente em nome dos pobres está liberado matar, sequestrar e tacar fogo. Se é pelos injustiçados pode praticar livremente a injustiça. Se é pelos miseráveis pode até causar ainda mais miséria. Se é em nome do bem pode inclusive fazer o mal.

É a turma do amor quem diz.

Guerra é Paz. Liberdade é Escravidão. Ignorância é Força.

É o que anunciam os arautos da cultura nacional.

Pobre coitado do terrorista.

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