Tripé (!) da Intelectualidade contra os Polêmicos.

Hegemony And All That Stuff

Trecho de entrevista de Nelson Ascher a Bruno Garschagen. Leia a completa aqui.

O que há depois da necessidade do consenso?

Há um medo das pessoas de pensarem por conta própria. Uma amiga minha, psicanalista que escreve na Folha também, disse que no Brasil está se discutindo muito vinho porque ninguém quer discutir política. As pessoas têm medo. E, realmente, o pessoal sabe cada vez menos discutir. Não existe isso de você ter opinião diferente e continuar amigo. Essa história de dizer “eu discordo de tudo o que você diz, mas defenderei o seu direito a dizer” não existe no Brasil, ainda. Não chegamos a esse ponto do liberalismo democrático. Seguramente, não na intelectualidade brasileira onde para fazer qualquer coisa você tem que mostrar a carteirinha, tem que dizer a que grupo é filiado. Quando você começa a divergir, obviamente, a primeira coisa é ser acusado de fascista.

Isso aconteceu quando a revista Veja fez uma matéria sobre meu livro de poesia mais recente, “Parte alguma”, e um pobre poeta primeiro me acusou de racista e, depois de ser avisado pelo jornalista que me entrevistou que eu iria processá-lo, decidiu me chamar de fascista. Por que racismo, no Brasil, é crime enquanto que acusar alguém de ser fascista não é. Então, a primeira coisa que eles fazem é te denegrir, virar a cara.

Agora, é como o próprio Reinaldo (Azevedo) fala: uma vez que o bloqueio começa a ser quebrado, e, sobretudo, pelo pessoal que não está alinhado, que não é professor universitário, que não é orientando de nenhuma sumidade acadêmica, fica menos complicado dizer algo fora do consenso. Porque, bem ou mal, há uma democracia. A liberdade como tal existe; é só exercê-la.

Mas, também, é óbvio, a intelectualidade é uma categoria gregária; as pessoas querem conviver com seus iguais, com seus pares, fazer rapapés, ter rapapés feitos para elas, não querem deixar de ser convidadas a um jantar onde vai aparecer a sumidade, onde vai conhecer o sujeito que o vai convidar para dar uma palestra em universidade, escrever para o jornal. O melhor, então, para essa gente é se comportar, falar o menos possível, e, é óbvio, isso acaba contribuindo para não se pensar, não se discutir e formar consensos.

É fantástico ver que uma vez que você começa a questionar determinados conceitos percebe como esses conceitos são frágeis. Como eles existem ancorados numa espécie de omertà, a lei de silêncio da máfia. O pessoal tem tanta certeza de que aquilo não vai ser questionado que nem toma o cuidado de preparar argumentos para caso venham a ser questionados. E quando chega a hora de discutir estão despreparados. É algo que, a princípio, devia ser bom para a esquerda, ter gente que a questione.

Como a esquerda no Brasil reage com quem não integra a trupe?

Do ponto de vista dos esquerdistas toda não esquerda é direita. Não existe nada que seja diferente. É bidimensional. Aliás, quem não é de esquerda nem é de direita, é de extrema-direita. É como se todo mundo estivesse à extrema-direita de Gengis-Khan. Para essa gente, Fernando Henrique Cardoso é de extrema-direita. Isso quando o PT fecha com Maluf, Sarney e com Collor, mas Fernando Henrique é que é de extrema-direita. É uma coisa maravilhosa.

Isso é um hábito clássico da esquerda. Vou lembrar que, enfim, os nazistas chegaram ao poder porque os comunistas alemães não apoiaram os social-democratas porque achavam que estes eram piores do que os nazistas. Realmente, com amigos assim, né?

A esquerda tem perdido poder real. Mas, realmente, determinadas hegemonias que ela conseguiu, como no mundo da educação, nas universidades, na cultura — não na criação da cultura, embora, sem dúvida, o pensamento básico de quem não quer pensar é ser de esquerda. Se você não quiser ter uma opinião você, então, é de esquerda. Se você não quer pensar sobre a guerra do Iraque você é de esquerda.

Não é que você seja neutro. Se você não quer pensar sobre os EUA no panorama internacional, então, você e antiamericano. Se você não quer discussão basta ter esses consensos formados. Se você pegar poetas, músicos, dramaturgos, atores, 99% pensam assim. São esses 99% que não pensam no assunto. Porque pensar dá trabalho, né, fazer o quê?